quarta-feira, 31 de março de 2010

Deficiências

Texto de Mário Quintana

DEFICIÊNCIAS

"Deficiente" é aquele que não consegue modificar sua vida, aceitando as imposições de outras pessoas ou da sociedade em que vive.
"Louco" é quem não procura ser feliz com o que possui.
"Cego" é aquele que não vê seu próximo morrer de frio, de fome, de miséria, e só tem olhos para seus míseros problemas e pequenas dores.
"Surdo" é aquele que não tem tempo de ouvir um desabafo de um amigo, ou o apelo de um irmão. Pois está sempre apressado para o trabalho e quer garantir seus tostões no fim do mês.
"Mudo" é aquele que não consegue falar o que sente e se esconde por trás da máscara da hipocrisia.
"Paralítico" é quem não consegue andar na direção daqueles que precisam de sua ajuda.
"Diabético" é quem não consegue ser doce.
"Anão" é quem não sabe deixar o amor crescer. E, finalmente, a pior das deficiências é ser miserável, pois:
"Miseráveis" são todos que não conseguem falar com Deus.

"A amizade é um amor que nunca morre".

quinta-feira, 25 de março de 2010

Saudade


Mãe quando está prestes a ver um filho sair de casa começa a ficar toda chorosa, um filho que vai estudar fora, um que se casa, outro que resolve morar no exterior, e assim por diante.
Tudo é motivo de saudade, o cheiro que ficou no quarto, o cd que ele esqueceu no carro, e até a saudade dos amigos dele que costumavam freqüentar a casa, deixam uma mãe atordoada.
Mãe é um negócio engraçado, chora quando o filho chega, chora quando o filho vai embora, chora quando o filho entra na faculdade, chora quando ele se forma...mães são mesmo um bando de manteigas derretidas.
Uma coisa que todas elas adoram é elogios, não elogios feitos a elas. É claro que desses, elas também gostam. Mas sentem-se imensamente felizes quando elogiam a sua cria, quando dizem o quão educado ele é, como é inteligente, bonito, simpático e atencioso...Ah o coração delas fica em estado de êxtase.
Nunca vou esquecer o dia em que a minha mãe me contou a história do par de chinelos. Ela tinha acabado de me deixar na rodoviária e quando chegou em casa viu que eu tinha esquecido os chinelos num canto da sala, aquilo a deixou tão angustiada, que correu para o quarto, deitou na cama e chorou por longos minutos. Conseqüentemente ao ouvir essa narração também me debulhei em prantos.
Todo filho reclama da mãe, dorme brigado com ela num dia e acorda pedindo uma omelete no outro. Mãe não é igual pai, que segue a perspectiva da mega sena acumulada, ou seja, você precisa de muita sorte para ganhar um bom pai. Não que o meu não o seja. Mas toda mulher depois que se torna mãe engrandece o espírito, fica mais bonita, mais segura de si, mais terna, mais forte, afinal de agora em diante ela fará tudo para proteger a criatura que mais amará ao longo de toda a sua vida.
Hoje estou sentindo uma saudade tão grande da minha mãe, saudade da torta de frango que só ela sabe fazer, saudade do cheiro de roupa limpa que ela deixa no guarda-roupa, saudade dos gritos estressantes dela com os cachorros, saudade das implicâncias dela quando eu pegava o carro emprestado, saudade de pedir benção antes de dormir, saudade de abraçar alguém que eu tenho certeza que me ama.
“Saudade! Saudade! Hoje eu posso dizer o que é dor de verdade!”

Citação



"É preciso estar bêbado! É só isso que importa! Para não sentir o horrível fardo do tempo que despedaça nossos ombros e nos empurra para o chão. É necessário que nos embriaguemos sem trégua! Mas de quê? De vinho, de poesia ou de virtude, como quisermos. Mas embriaguemo-nos!"

Toulouse-Lautrec

sexta-feira, 12 de março de 2010

Os cheiros


Existem cheiros inesquecíveis. Cada pessoa tem seus prediletos. E basta uma mínima lembrança para que tudo volte: a temperatura do momento, a felicidade ou a tristeza que se sentia, as imagens de quem estava perto, tudo. Tudo. Cheiros podem ser alegres ou tristes. Era muito bom quando se entrava em casa depois do colégio, logo antes do almoço, e se sentia o cheiro do refogado – alho, cebola e tomate – para fazer o picadinho ou o bife de panela enrolado no bacon e preso por um palitinho. Quantos segundos você leva para atravessar o tempo e voltar aos seus 11 anos?

Lembra quando há muitos, muitos anos, você ia passar as férias na fazenda? Ah, uma fazenda tem aromas absolutamente inesquecíveis: o do capim, o da terra depois da chuva, o do estábulo onde se ia de manhã bem cedo tomar o leite tirado da vaca, ainda morno, numa canequinha de alumínio. E o cheiro da tangerina? Aliás, tangerina não, mexerica; aquela pobrinha, modesta, de casca fina, que deixava a mão cheirando durante três dias. Esse é um cheiro muito alegre. O cheiro do bolo saindo do forno é para sempre – bolo de tabuleiro, cortado em losangos, com cobertura de açúcar com limão, e um detalhe precioso: naquele tempo, por mais que se comesse não se engordava, e em cima da mesa havia sempre um vidro de fortificante para abrir o apetite. Que felicidade ter tido uma infância no interior! Mas existem outros aromas não ligados ao paladar e também inesquecíveis. O cheiro do mar quando se chega em Salvador – uma licença poética, com licença. E você já teve uma tia-avó que morava numa casa bem arrumada, cujo assoalho era encerado toda semana? O brilho era dado a mão, com uma escova de cabo alto como uma vassoura, e era chegar e ouvir: “Cuidado para não escorregar”. Que cheiro limpo, honesto, que cheiro de gente direita. Será que isso ainda existe?

Mas há também os cheiros angustiantes: os de hospital, de sala de cirurgia. Muito cheiro de flor você sabe o que lembra – melhor não falar disso. E existem os perfumes ricos: de carro novo, de um bom fumo de cachimbo. E vamos combinar: cheiro de alho é bom na cozinha, de sexo no quarto, e é proibido misturar. Por falar nisso, o cheiro do homem que se ama, depois do amor, é melhor nem lembrar para não desmaiar de saudade.

As cidades também têm seu cheiro, cada uma muito particular: se você for levada, de olhos vendados, para o Bloomingdale’s, sabe na hora que está em Nova York. E se respirar um aroma de cominho misturado a curry e a canela vai saber que está no souk de Marrakesh.

Mas existe um cheiro que só as mulheres conhecem. É o que elas sentem quando estão enxugando seus bebês depois do banho. É preciso que não haja uma só pessoa por perto num raio de 200 metros para não haver interferência de qualquer ordem. Sem nenhuma presença estranha – nem mesmo a do pai –, mãe e filho poderão dizer bobagens e rir de coisas que só eles vão entender. Depois do talco, a mãe vai botar o nariz no pescoço de sua cria e cheirar com todos os seus cinco sentidos. No princípio timidamente, mas cada vez mais forte, até quase arrebentar os pulmões de tanto amor. Na hora a gente não sabe, mas um dia vai saber: não existe nada igual a esse cheiro nem a esse momento, e nunca vai haver um melhor. Porque esse é o cheiro da vida.

Danuza Leão é cronista, autora de vários livros, entre os quais Na Sala com Danuza 2 (ARX) e Quase Tudo (Cia. das Letras)