quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Livre



Normal seria se uma carta começasse com um cumprimento, mas uma começando com “Adeus”? E de tão anormal que achou, sentou-se rapidamente para poder ler. Não tinha cabeçalho, estava amassada, molhada da chuva, meio borrada. Tinha conteúdo triste, pôde perceber rapidamente.

(...)

Adeus,

Não se surpreenda quando eu não estiver mais aqui amanhã, nem sei como consegui ficar até hoje. Cheguei ao ponto de não saber se você anda me fazendo bem ou mal.
Juro do fundo do meu coração que preferia nunca ter lhe conhecido, que ninguém tivesse nos apresentado. Eu estava bem antes, e agora sinto uma dor tão forte na boca do meu estômago, uma dor tão grande que preciso vomitar toda a minha raiva em você. Caso não saiba, raiva não é o contrário de amor, o contrário é a indiferença, isso que você pratica dia após dia.
Cansei de estar sempre disponível para ouvir, cansei de mostrar o lado bom, embrulhando com fitas tudo de bonito que queria compartilhar, cansei de ser carinhoso, cansei de esperar notícias suas. E o pior de tudo, cansei até de mim. Se você gosta de todos os pingos nos is, vou mais além, gosto de pingos nos jotas também. Impossível passar por cima de tudo.
Eu sabia me expressar, achava que era suficientemente brilhante para iluminar o meu próprio caminho, mas não consigo emitir um mísero feixe de luz agora.
Queria trocar tudo isso por alguma outra coisa ou algum lugar que valesse mais a pena. Você é uma alma solitária, não tem noção nenhuma do seu destino, e ainda tem coragem de dizer que quer mudá-lo. Tento convencer-me freneticamente a cada dia de que a única coisa que preciso para sobreviver é o ar que respiro.
Não vou arriscar novamente, você tem o dom de me fazer sentir culpa. Olho o relógio, queria poder reiniciá-lo, mas não dá. Deixei você brincar demais comigo.
O dia está amanhecendo e já consigo me sentir menos tolo. Antes de terminar quero agradecer. Graças a você descobri que a minha maior qualidade também é o meu maior defeito, e a partir de hoje deixo de me importar.
Vou lhe deixar em paz, tão em paz que realmente quero que sinta saudades do anel que tinha entre seus dedos, por mais que o julgasse uma mera bijuteria.


Seja Feliz!

(...)

Debruçou-se sobre a mesa, chorou até soluçar, sentiu a mão muito leve. Talvez nem pudesse controlá-la mais...

2 comentários:

  1. Ai que dor... Natália, é isso mesmo, essa indiferença abre um buraco, uma fenda que corremos para preencher como que com areia, mas ela é fina, escapa, se esvai. O texto é tão bom que faz doer! Grande abraço.

    ResponderExcluir
  2. Bom saber que o texto faz alguém sentir isso, no bom sentido é claro, hehe!

    Obrigada, Kenia!

    ResponderExcluir