quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Diálogos metalinguísticos


Marcaram de sair. Eram nada mais nada menos que dois amigos. Melhor nem dizer assim. Estavam naquela fase de transição entre conhecidos, amigos, e uma futura relação. Fosse ela de qualquer tipo.
Quando ainda não se tem ou ainda não se descobriram muitas afinidades a conversa segue um ritmo um tanto quanto metalingüístico, no qual falar do que acabaram de falar torna-se momentaneamente ocupante, até que o álcool contribua para a liberação das idéias, pensamentos e desejos, digamos mais íntimos.
Minutos depois o álcool realmente resolveu participar da conversa, que agora era mais descontraída e os dois já falavam de si mesmos sem constrangimentos. Mostrariam fotos ridículas da infância se as tivessem ali naquele exato momento.
- Por que você acha que é tão difícil entrar num relacionamento?
- Não, eu não acho que seja difícil entrar. Nem entrar nem sair. Difícil é mantê-lo.
- E é difícil mantê-lo...
Não o deixou concluir a frase, interrompendo:
- É difícil mantê-lo porque nós pessoas, temos sempre a sensação de dar muito e receber pouco, temos mania de ficar esperando sempre mais do que o outro pode nos oferecer.
- Você espera tanto assim em uma relação?
- Eu minto que não fantasio, quando na verdade isso é o que mais faço.
- Nossa! Você não deve ser uma pessoa fácil de se envolver.
- Não sou e acho que ninguém é. Quem diz ser, está enfrentando alguma grave crise de carência e precisa ser amparado urgentemente.
- Concordo com você. O fato é que pessoas trazem uma bagagem própria. Difícil conviver com manias e problemas nossos, imagine com os dos outros.
- Tem toda razão. Exatamente por isso ando meio adepta da teoria do posso ter dias lindos, mesmo sozinha.
- Mas você sabe que tem gente que complica tudo. Quero dizer, complica mais que o necessário.
- Talvez não compliquem, talvez apenas não facilitem. Esse negócio de ficar se encantando dá muito trabalho, você constrói todas as suas fantasias e de repente elas são demolidas num sábado à noite em que um de vocês dois não soube dizer não na hora certa.
O garçom veio até a mesa e perguntou se precisavam de mais alguma coisa. Os dois estavam tão envolvidos na conversa, que só lembraram mesmo foi de pedir outra garrafa de vinho. Ela retomou o assunto:
- Mesmo correndo risco de ter os sentimentos despedaçados, acredito que realmente devemos nos envolver com alguém. Afinal, não podemos nos afastar de todo mundo e acabar tendo de checar o gancho do telefone para ter certeza de que a linha não foi cortada, mas sim as pessoas que te cortaram de suas vidas.
- Profundo isso que você disse. Poesia pura.
- Elogiar alterado não conta, engraçadinho.
- Sinceramente, acho que quem nunca amou de verdade tem uma capacidade muito maior de dar nomes aos sentimentos do que as que estão amando. Resumem tudo numa única palavra: gosto.
- Espero que na segunda-feira não revelemos toda essa nossa dependência.
Os dois riram, ficaram calados observando o movimento, quando ele retomou:
- Já te disseram que manda na relação quem se envolve menos?
- Disseram sim. Eu gostaria de me envolver menos e poder manter o controle de tudo.
Voltaram a rir. Ele aparentou certa dose de nervosismo.
- Você me deixa constrangido e quando eu fico assim sempre preciso de alguma coisa para segurar.
Ela sorriu dizendo:
- A minha mão está em cima da mesa há um bom tempo...

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