
Enquanto ele estava deitado na cama, começou a sentir uma saudade enorme de quando a mãe o benzia, o cobria, apagava a luz do quarto e saia dizendo:
- Dorme com os anjinhos, meu amor!
“Meu amor”, as pessoas deveriam fazer um contrato concordando com todos os termos nele pré-estabelecidos antes de saírem por ai dizendo essas palavras. Salvo as boas mães.
Lembrou também que podia acordar sem preocupar-se com nada nem ninguém. Podia ser sincero ao responder a famosa pergunta:
- O que é que você tem?
Ah, como ficava feliz em poder dizer que era só uma dor de barriga, um corte na perna, que estava triste porque viu um passarinho morto. Sim, ele podia dizer o que tinha. Criança não esconde nada que lhe doa, mesmo quando é um assunto do coração.
Hoje em dia ao ouvir a mesma pergunta ele diz que não tem nada, e que não demora passar. Mas qualquer um sabe que quem diz não ter nada, tem mesmo é um pouco de tudo.
Foi crescendo e descobrindo que muita gente iria levantar a voz para ele, que iriam brigar sem mostrar motivos lógicos para isso, e que a única coisa que poderia fazer seria contabilizar no final do dia os sapos que engoliu.
Sentiu sua própria falta. Falta da capacidade que tinha de achar graça nele mesmo. Como quando você tropeça na rua e um quarteirão depois já é capaz de rir de sua trapalhada. Sentiu vontade de largar certos vícios que foi adquirindo ao longo dos anos para tentar esquecer coisas e pessoas. Sentiu remorso por ter brigado com o melhor amigo, por não ter retornado algumas ligações, por ter recusado convites de pessoas adoráveis, e tudo isso para que? Para correr atrás de um não sei o quê, um não sei quem.
Constatou que antes não tinha problemas para dormir, para comer, para conversar e nem para chorar em público. Agora, sofria de insônia, pulava refeições, limitava-se a responder somente o necessário, e chorava sozinho escondido no banheiro, graças a um comentário ridículo que ouviu certa vez, de que quem chora na frente dos outros é fraco.
Perdeu a inocência que trazia consigo, quis mandar em tudo, em todos. Tornou-se prepotente diante de determinadas situações. Fechou-se num casulo que construiu em volta de si, aderindo ao lema do: cortar antes que cresça.
O lado bom disso tudo foi que ele ganhou experiência. Entendeu por exemplo que nem sempre o cheio é melhor que o vazio, que sua família não era a pior do mundo, que carteira de motorista não simboliza carta de alforria, afinal você pode fugir, mas e quando o combustível acabar? E por mais idiota que ele fosse, Deus haveria de lhe dar uma nova chance para se encantar com a vida.
Tudo isso que o incomodava tanto hoje, amanhã não passará de um ontem não resolvido. Aos poucos a sensação de que nada andava acontecendo ia se dissolvendo no escuro.
E no silêncio que abafava o quarto, pediu para que o dia nascesse logo. Essa seria sua oportunidade de alcançar e buscar o céu para alguém.